Cor de maricón ?
Como é hábito, quando vamos de viagem e essa é feita de avião, temos de chegar uma ou duas horas antes da partida, no entanto, naquele dia e porque tinha passado uma boa noite de despedida para a minha viagem a Paris, fui um pouco mais cedo
Aproveitei para ver umas montras e os passantes, podia, talvez, engatar alguém para a viagem já que para Paris viajam aqueles que por cá não podem dar nas vistas.
Ia olhando, olhando e de repente apercebi-me que dois espanhóis discutiam frente a uma montra de pronto-a-vestir de marca.
O mais jovem e educado, não teria mais de dezanove anos, tipo galego de cabelo claro e comprido e vestia um casacão vermelho até aos tornozelos.
O outro, beirando os seus vinte cinco anos, tipo cigano, cabelo escuro e escorrido, trazia camisa social cor de mostarda e uma gravata com um nó não apertado, estilo ‘cafetão’. Este, exaltado, reclamava porque o outro havia dito, não sei exactamente o quê, pois só me apercebi: - mas querido és cor de maricón!
Este simples comentário feriu profundamente o brio do ‘cafetão’ machista, provavelmente por ter gostado de alguma coisa que viu na vitrina do aeroporto (uma camisa, uma t’shirt ou um casaco de cor mais viva que o seu colega identificou como sendo de cor de bicha.
Se prestarmos atenção, de facto, na natureza, as cores são neutras, assexuadas ou bissexuais. Tanto o papagaio macho, quanto a fêmea, tem as mesmas cores: verde, amarelo, vermelho e algumas penas azuis. A cor rosa é idêntica nos flamingos dos dois sexos, e para dizer a verdade, quando há diferenciação de cores entre o sexos, via de regra os machos ostentam cores mais vivas, vibrantes e fetiches do que as fêmeas. O Pavão, a ave-do-paraíso, o canário belga e mesmo o galo, são exemplos de que a natureza carregou mais nas cores masculinas. Assim, a cor dos machos está mais próxima da cor de maricón. (Maricas cá no nosso português).
Entra os humanos, ou melhor, em algumas culturas, talvez na maioria delas, observa-se o contrário do que sucede entre os animais inferiores: as mulheres são mais coloridas do que os homens. Pintam o rosto, os lábios, as unhas das mãos e dos pés: nalgumas sociedades fazem tatuagens no rosto e mãos, usam roupas coloridas, cabelos pintados jóias com metais e pedras brilhantes. Aos homens da nossa cultura tradicionalmente reservam-se as cores escuras: preto, cinza, maroon, sem pintura no rosto e como adorno um relógio de pulso e por vezes uma cruz ao peito.
Nem sempre, porem, foi assim, e nem todos os povos limitaram tanto o acesso dos varões ás cores vivas, maquilhagem, enfeites e jóias. Antigamente entre os nobres da Europa, Ásia e África, mesmo entre os índios das três Américas, as roupas dos homens eram multicoloridas, abundavam os brincos, perucas, leques, muita renda, plumas e brilhos.
Portanto, cor de homem, de mulher ou de gay, não é determinada pela natureza das cores, mas por convenções culturais que variam de sociedade para sociedade e ao longo dos tempos dentro da nossa cultura. O preto, que era sinal de luto no tempo dos nossos pais, hoje virou dark e chic. Segundo os sexólogos dos anos 30, só os frescos usavam cor verde no Brasil cabendo-nos. Portanto, o destaque de percursores do movimento ecologista tupinniquim…
Qual seria, então, a cor de maricón que tanto irritou o tal cara de cafetão espanhol?
Nas últimas décadas, duas cores passaram a identificar internacionalmente o universo homossexual. Primeiro, o rosa, mais precisamente o triângulo rosa, que foi o distintivo utilizado pelos nazistas para identificar os homossexuais nos campos de concentração. Hoje, nas principais cidades ocidentais, basta colocar um triângulo rosa na porta de um estabelecimento comercial ou na lapela, para que as pessoas se identifiquem como homossexuais, actualmente para os mais discretos chamados de Gays (na tradução do Inglês; alegre; de bom humor, vistoso).
Nos últimos 30 anos, contudo, o arco-íris tornou-se o principal símbolo de gays e lésbicas, suas seis cores representam à diversidade e pluralidade cultural, sexual, étnica, que todos aspiramos na construção do novo mundo.
Actualmente, apões a revolução sexual dos anos 60 e a expansão da moda unissex, as cores perderam muito a sua rigidez sexista, não sendo raro encontrar “homens de verdade” usando camisas com cores vivas: vermelho, amarelo, mesmo o rosa e púrpura às vezes estampados com flores e outros motivos inimagináveis por nossos pais e avós.
A reacção nervosa do tal espanhol metido a macho contra a cor de maricón reflecte a insegurança daqueles que ainda estão presos a valores e estereótipos sexistas, que sentem a sua virilidade ameaçada por usar algum objecto mais colorido que poderia estar associado à estética gay.
Freud explica tamanha limitação, que afastar do universo masculino as multicores do arco-íris, a delicadeza, sensibilidade e o jogo de cintura tão característico da cultura gay internacional.
A Comunidade Gay continua à espera de um Milagre para que com estas lições de versatilidade possam ensinar os machões trogloditas.
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